Escrever

Ser escritor não é tarefa fácil. A maioria tem a ideia do sujeito preguiçoso que passa o dia de pijama e roupão, e que de vez em quando lá se senta na secretária a digitar algumas frases. Mas a verdade não é bem assim.

L'Heure Bleue

“A hora mais fria da noite faz-se sentir no momento que antecede o amanhecer. A sua escuridão envolve-nos. Sentimo-nos sós, e, nesse momento, nada é mais assustador que a solidão”.

XXII: Todas as luzes no céu são estrelas

Um sentimento de Fogo cresce.

Dentro de mim,

Uma chama acesa,

Solitária, luta contra a escuridão.

Carnaval Sénior: A festa na “flor da idade”

O Espaço Tenda encheu-se de tons floridos para acolher os idosos participantes em mais uma edição do Carnaval Sénior.

Querido Pai Natal

Há muito tempo que não te escrevo. Há muito tempo que não me respondes. Tenho saudades daquelas manhãs de Natal, em que acordava e todas as prendas que eu te tinha pedido, com excepção de algumas que, agora que olho para trás vejo que foram pedidos completamente sem sentido, estavam ali na cozinha, ao lado do meu sapato.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Nove Menos Cinco

“Por vezes, quando a beleza inegável de um momento nos absorve, somos envoltos por uma profunda necessidade de o viver, livres de qualquer interferência, imersos em cada um dos seus actos. Naquele instante somos infinitos. Vivemos. E deixamo-lo passar.” Passavam alguns minutos das oito da noite. Estava atrasado, outra vez. A aula de Sistemas Digitais tinha-se alongado, como de costume. O comboio das oito e dezanove já tinha partido. Nada podia fazer se não esperar pelo próximo.

A Estação de Campanhã era fria naquela noite de Novembro em 2009. Felizmente a espera não seria longa. Ansiava pelo jantar ainda distante, e estava só. Bom, não completamente só, trazia comigo a companhia de Umberto Eco, e do seu Pêndulo de Foucault. Da história do livro, pouco me lembro, muito menos ainda das páginas que li naquela breve viagem.

Há anos que a faço. Todos os dias, ida e volta, entre Porto e Ovar. A maioria delas a sós, ora com um livro, ora com música a acompanhar-me. Com o passar dos anos criei mecanismos para me distrair durante a viagem quando um destes companheiros me falhava, ou eu a eles. Perco-me nos meus Mundos de fantasia, alguns deles que acabo por transcrever em contos, poemas ou através de outra qualquer expressão da minha modesta arte. Por vezes limito-me a observar as pessoas que me acompanham nesta viagem. Que histórias contam, o que as trouxe ali, onde vivem, o que fazem, quem são estes estranhos conhecidos que já fazem parte do meu dia-a-dia, como figurantes repetidos numa peça de económica produção.

Sentei-me no banco gelado da plataforma cinco, algumas pessoas já esperavam ali pelo comboio que ainda tardava em chegar. Uma rapariga estava de pé nos limites da plataforma, o seu olhar fixo no horizonte. Vestia um casaco azul, tinha cabelo castanho, liso, não muito longo. De feições simples, era bela na sua simplicidade. Havia algo na sua elegância que a destacava dos restantes. Demorei alguns segundos a observá-la, e esbocei um ligeiro sorriso antes de regressar para as páginas do meu livro.

Quando o comboio finalmente chegou, procurei pelo meu lugar habitual. Na penúltima carruagem, três bancos a contar da porta, do lado esquerdo, sempre do lado esquerdo. Ainda ninguém o tinha ocupado. Sorte, pensei. Sentimento reforçado quando ela escolheu o assento ao meu lado. Ambos retirámos um livro das respectivas mochilas e começámos a ler.

Parte de mim queria encontrar a coragem necessária para falar com ela, mas mais uma vez não me sentia capaz de transportar esta fantasia para a realidade. Concentrei-me no livro, ou pelo menos tentei. Em General Torres entrou um homem, claramente embriagado que se sentou à nossa frente. Destes, já tinha visto muitos, sempre diferentes, sempre a mesma personagem.

Usava roupa gasta, tinha cabelo e barba grisalhos. Normalmente apenas os costumo ver em comboios mais tardios, como o que apanho todas as quartas-feiras no regresso da aula de Russo já depois das dez da noite. Por vezes pedem dinheiro, outras vezes apenas querem falar ou dormir sossegados em um dos assentos. Este gostava de falar.

Concentrei-me no livro e ignorei-o como costumo fazer.

“É muito bom ver dois jovens a ler”, disse ele. Sorri e regressei para a minha leitura. Esta passagem recriava um ritual indígena de comunicação com espíritos através de um oráculo que neste caso, era a mulher do personagem principal.

O homem concentrou as suas atenções na rapariga. Ela apenas acenava, sem lhe dirigir qualquer palavra, anuindo àquilo que ele dizia. Num momento de desespero ele dirigiu-se a ela em inglês. Não tinha aspecto disso, mas fiquei intrigado com a possibilidade dela ser estrangeira.

Chegados a Espinho, o homem levantou-se e despediu-se de nós. Trocámos um olhar e naquele momento arrisquei.

“Did you know him?”, perguntei.

“No. I think he was drunk”, ela respondeu.

Voltei a concentrar-me no meu livro. Não sabia que mais dizer. Felizmente, ela voltou a falar.

“Where are you from?”

No instante em que disse Ovar, fui atropelado por uma onda de riso e espanto, quando ela perguntou, “És português?”.

Algo embaraçado com o caricato da situação, expliquei que, “como ele estava a falar contigo em inglês pensei que pudesses não falar português.”

“Foi? Não tinha reparado nisso, estava a tentar ignorá-lo e concentrar-me no meu livro.”

A rapariga intrigante de uma beleza simples chamava-se Filipa, vivia em Aveiro e estudava Radioterapia na Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Porto.

“Somos praticamente colegas, o meu curso era nas mesmas instalações que o teu.”

Os quinze minutos que separam Espinho de Ovar foram passados a falar sobre os nossos cursos, sobre os livros que trazíamos, sobre o futuro que cada um desejava. Foram quinze minutos que passaram num segundo. Quando a Estação de Ovar se aproximou, não queria sair. Queria que o tempo parasse, que a nossa conversa se alongasse no tempo por mais alguns momentos. Mas assim não foi.

Despedimo-nos e levantei-me para sair. Ela deteve-me e disse, “talvez nos voltemos a encontrar neste mesmo comboio.”

Queria explicar-lhe que era raro eu viajar a esta hora. Queria dizer-lhe que tinha adorado a nossa conversa e que não queria que esta ficasse por aqui. Queria ter-lhe pedido o seu contacto. Mas apenas disse, “Talvez”. Sorri e dirigi-me para a porta.

Desci para a plataforma e ali fiquei a ver o comboio partir. O tempo voltou a abrandar até à sua perpétua velocidade de cruzeiro. A Estação de Ovar era fria naquela noite de Outono. Fui assolado por uma mescla de felicidade por aquele momento que só a nós pertencia, e de arrependimento pelas possibilidades que jamais seriam testadas. Senti-a atravessar-me, como se o próprio comboio se tivesse despistado na minha direcção. Um único pensamento emergia do caótico oceano da minha mente.

“Se o Universo assim quiser, um dia voltaremos a nos encontrar.”

Ajustei o casaco e comecei a caminhar para casa. Faltava pouco para as dez e ainda não tinha jantado.

“Estás a gozar? Não lhe pediste o número?” Miguel estava sentado à minha frente. Ouviu a minha história com atenção, até este momento.

Já esperava a sua reacção. “Como disse, não. Eu sei. Eu sei. Já me arrependi o suficiente.”

“Meu, era o mínimo que devias ter feito, deixaste a oportunidade passar!”

“Pensei bastante sobre isso. Nos dias que se seguiram procurei pelo seu rosto por entre a onda habitual de desconhecidos. Mas sem sorte. Com o tempo as minhas recordações dela começaram a esvanecer, e agora não sei se seria capaz de a reconhecer sequer.”

Miguel anuiu e permaneceu em silêncio. Percebia que a sua expressão nutria algum pesar e frustração pelo final inconsequente que tinha acabado de ouvir.

“Mas se queres que seja sincero, acho que é melhor assim”, disse.

“Porquê?”

“Como não nos voltámos a encontrar, nenhum de nós teve tempo para desapontar o outro. Somos eternos naquele momento. Dois desconhecidos, felizes, acabados de se conhecer, imersos numa boa conversa. Se a tivesse voltado a encontrar, toda esta perfeição, toda esta memória, podia ser deturpada pela realidade.”

Ele ponderou um pouco sobre a minha resposta e enfim disse, “Tudo bem, mas não sabes o que podia ter acontecido.”

“Sim, o mais provável é que não fossem capazes de manter a magia que sentiste naquela viagem. Talvez o segundo encontro fosse aborrecido e não se voltassem a falar. Mas é essa a beleza do risco. Não sabes o que o futuro te traz. Por mais que as probabilidades possam parecer estar contra ti, nada está escrito.”

“É fácil pensares que passaste ao lado da tua própria versão do ‘Antes do Amanhecer’, que ela era a tua tal, e que deixaste passar aquela que talvez tenha sido a única oportunidade de alguma vez a encontrares. Talvez ela não passe de mais uma rapariga com quem tiveste uma boa conversa uma vez. Mas a verdade é que nunca irás saber.”

“Nunca irás saber se é ela, ou não. Nunca a vais conhecer. Não arriscaste. O momento passou. Ela agora é uma memória de um momento profundamente belo. Momento esse que por mais que as circunstâncias o tentassem deturpar, ou mesmo que ela própria te desiludisse, será sempre teu e ninguém to poderá tirar.”

Deixei-me absorver pelas suas palavras, e naquele instante tive a realização de que ele estava certo. O momento não teria sido estragado, tivesse eu voltado atrás para lhe pedir o seu contacto. Mesmo que ela mo negasse, pelo menos sabia que aquele momento não passaria dali.

“Tens razão”, enfim disse. “Devia ter arriscado. Por mais que o cinismo da vida se intrometa na nossa felicidade, este não pode mudar as nossas memórias. Ele não pode roubar-nos estes momentos. Eles são eternos. Infinitos. Nossos. Apenas nossos.”

Miguel colocou a sua mão no meu ombro e sorriu. Era um sorriso de compreensão, de aceitação, misturado com algum fatalismo pela tardia resolução que apenas hoje compreendi.

Ficámos em silêncio durante alguns segundos, antes de retomarmos a nossa conversa habitual.

Guardo aquela viagem de comboio como uma das minhas melhores recordações dos longos anos que passei entre Ovar e a Invicta. Hoje sei que pudesse eu voltar àquele instante, antes de me dirigir para a porta, a minha resposta não teria sido um simples “talvez”.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Lisboa, Menina e Moça

Praça do Comércio
Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida.

Lisboa Menina e Moça, Carlos do Carmo

Lisboa é uma cidade diferente. Uma cidade de contrastes. Porto de entrada na Europa, Lisboa reflecte uma mescla cultural presente na sua arquitectura, nos seus costumes, e nas pessoas que hoje habitam a capital portuguesa.

Destruída quase na sua totalidade pelo terramoto de 1755, a cidade das sete colinas foi alvo de um grande empreendimento de reconstrução protagonizado pelo Marquês de Pombal. A arquitectura pombalina, com maior representatividade na Praça do Comércio, também conhecida como Terreiro do Paço, é caracterizada pelas avenidas largas organizadas em traçado ortogonal, e por prédios baixos e extensos, sustentados por um engenhoso sistema de suportes em madeira.

A Rua Augusta, hoje conhecida pelas suas lojas de marcas de gama alta, e pela sua figuração em filmes como “As Viagens de Gulliver” de 1996, é o principal postal da cidade, e uma passagem obrigatória para o mais comum dos viajantes. Inaugurado no Verão de 2013, é hoje possível subir ao miradouro do Arco da Rua Augusta, para observar uma das mais emblemáticas vistas panorâmicas que esta cidade tem para oferecer.

Eléctrico e Calçada Portuguesa
A par das confeitarias típicas desta zona, a baixa de Lisboa é composta por uma amálgama de pontos de interesse. Do Teatro Nacional D. Maria II, ao Museu do Design e da Moda, passando pelo Chiado, pelo café “A Brasileira” onde pode fazer companhia a uma réplica em bronze do poeta Fernando Pessoa, ao elevador de Santa Justa, e ao inevitável Bairro Alto. Um bairro pitoresco, construído sobre um labirinto caótico, herança da ocupação árabe da cidade até à sua conquista no Cerco de Lisboa em 1147.

O Bairro Alto é a “la movida” lisboeta. Com uma grande oferta de bares, as noites de quinta, sexta e sábado são ocupadas por jovens que saltam de porta em porta, de Fado a Hip-Hop, de Rock a Kizomba, de Jazz a música electrónica, há espaços, e música para todos os gostos.

Para os amantes da fotografia, Lisboa faz jus ao seu nome de cidade das sete colinas, disponibilizando uma série de miradouros que permitem captar as diversas facetas da capital. O já referido Arco da Rua Augusta é apenas o mais recente membro de uma família que incluí locais como, o Miradouro da Graça, Santa Luzia, São Pedro de Alcântara, o Castelo de São Jorge, e as Portas do Sol, num total de quinze locais que proporcionam um roteiro extenso pelos pontos menos conhecidos da cidade.

Castelo de São Jorge visto do Elevador de Santa Justa
Contudo, é possível que a melhor vista da cidade esteja ao abandono. Para aqueles com espírito de aventura, o velho edifício panorâmico de Monsanto é um bom local para contemplar a metrópole lisboeta, com o extra deste incluir uma visita com uma componente arqueológica, e também ela sinistra, de um edifício abandonado e em ruínas.

Políticas de centralização, e má distribuição de recursos, fazem de Lisboa o epicentro cultural, histórico, e científico de Portugal. Com inúmeros teatros e salas de espectáculo, difícil é não encontrar um dia com eventos de projecção internacional a decorrer em uma delas.

O Oceanário, e o Zoo de Lisboa, são duas das principais atracções da cidade, que contrastam com o passado colonialista do antigo Império Português, e que são hoje espaços educativos, virados para a investigação e recuperação de espécies em vias de extinção. A fachada ostensiva do Museu de História Natural e Jardim Botânico de Lisboa, é um bom local para visitar com entradas gratuitas aos Domingos de manhã, uma extensa colecção permanente, e uma variedade de exposições temporárias, capazes de alimentar os sonhos da mente mais curiosa.

Mosteiro dos Jerónimos em Belém
Belém é uma boa sugestão para um calmo final de tarde, a ver o pôr-do-sol sob o rio Tejo. Com a ponte 25 de Abril, a “Golden Gate” portuguesa, no horizonte, o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos no fundo, esta é uma zona de passagem obrigatória para quem gosta de boa confeitaria. Os famosos Pastéis de Belém, são apenas encontrados aqui n’A Antiga Confeitaria de Belém, ao lado dos Jerónimos.

Com as Docas e o Bairro Alto como pontos principais de diversão nocturna, deixo como alternativa a Fábrica de Braço de PrataUm espaço multicultural, aproveitado de uma antiga fábrica, onde figuram exposições de arte urbana, bares, concertos ao vivo, e dança contemporânea, entre outros eventos que dão vida a este espaço pela noite dentro.

Lisboa é uma cidade de Fado. Bairrista. De Marchas Populares, e de tradição. Lisboa é uma metrópole moderna, virada para a Europa e para o Mundo, com raízes romanas, celtas, árabes, lusitanas, portuguesas e africanas.

Padrão dos Descobrimentos
Lisboa não é uma cidade portuguesa, nem tão pouco uma cidade representativa da alma portuguesa. É sim um porto internacional, criado sob uma bandeira de portugalidade que ainda hoje se encontra na sua mais básica componente, mas que cada vez mais perdeu a sua ligação com o resto do país. Contudo, continua a ser uma boa casa de partida para aqueles que pretendem aventurar-se pelo resto do país, e um destino a não perder.

Publicado em 20 de Maio de 2014 no blogue Vontade de Viajar
Reeditado em 19 de Junho de 2014

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Romance às Portas de Amesterdão

Amesterdão: Liberdade, drogas, prostituição, noite. Por mais que tentem convencer a vossa cara-metade que apenas querem lá ir para ver os quadros de Van Gogh, visitar o Madame Tussauds, passear pelos canais e sentir a melancólica atmosfera da Casa de Anne Frank, desenganem-se. Ela não vai acreditar. Não vale a pena sequer dizer que os jogos do Ajax, e o Hard Rock Café, são os únicos pedaços da vida nocturna da capital holandesa que têm ideias de experimentar. Se vais a Amesterdão, vais acabar a noite no Red Light District. Quer queiras, quer não, é inevitável.

Como resolver esta situação e conjugar o melhor dos dois mundos? A solução mais simples é levá-la contigo e aproveitar a viagem para cultivar o romance na vossa relação.

Santpoort Noord - Holanda - (foto de Adriano Cerqueira para o blog Vontade de Viajar)

Santpoort Noord, contraste e relaxamento

Espera aí. Romance? “Essa é provavelmente a última palavra que alguma vez pensei ver associada a Amesterdão”, pensas tu. Mas a poucos quilómetros dessa “metrópole do pecado”, encontras Santpoort Noord. Uma pequena cidade nos arredores de Haarlem. Rodeada por floresta, parques verdejantes, e a pouca distância da praia, esta pacata localidade não tem um único prédio acima de três andares.

Caracterizada pela típica arquitectura holandesa, Santpoort é uma comunidade de casas individuais, com estradas em tijolo, ciclovias e trilhos para caminhadas. A maioria das casas tem um jardim à sua volta e grandes “montras” em lugar de janelas. Não estranhem ver as famílias locais a conviverem calmamente nas suas salas, como se estivessem a expor a sua vida privada para quem por ali passa. É um acto normal para eles, contudo, é considerada má educação, ficarem ali parados a olhar. Controlem o vosso instinto de voyeurismo e, simplesmente, ignorem.


Subir para a Praia, e Nortadas a sério

Se caminhar pela floresta e andar de bicicleta não é bem do vosso agrado, podem sempre ir passear à praia. Durante o Verão, especialmente no final de Julho, é comum organizarem-se luaus, e outras festas junto ao mar. As praias holandesas são bem diferentes daquelas que podem encontrar em Portugal ou Espanha. Antes de chegarem ao mar, passam por enormes morros, ou diques, que separam a constante ameaça das ondas dos restantes terrenos. Afinal de contas existe um motivo para se chamarem Países Baixos. Sabem como normalmente têm que descer para ir à praia? Em Santpoort têm que subir!

Assim que lá chegam, o primeiro obstáculo que vão sentir é o vento. Se pensam que as nortadas são más, é porque nunca passaram por isto. A erosão provocada pelo vento é tão forte que a própria areia parece farinha. Muito agradável de se sentir por entre os dedos dos pés, mas pouco prática para o típico veraneante que gosta de torrar ao sol, e dar um ocasional mergulho no mar.


Por entre Moinhos e Tulipas

Mesmo no centro de Santpoort podem encontrar o Brasserie De Wildeman, um pub com esplanada que também serve refeições. Um bom espaço para relaxarem, acompanhados por uma cerveja Amstel. Podem também experimentar a típica comida holandesa. Muito à base de fritos, não é a mais saudável, confesso, mas não é má de todo.

A região de Haarlem é famosa pelos seus moinhos e plantações de tulipas. Se visitarem durante a Primavera, vão ser maravilhados por campos coloridos que se estendem até ao horizonte. Se for o caso, aconselho-vos a alugarem um carro para poderem explorar bem essa região. Um bom espaço para o fotógrafo amador iniciar um portfólio florido para partilhar com os seus amigos.

Foto: Adriano Cerqueira

De Weyman, o fim ideal para um dia perfeito

Cansados após um longo dia de passeio? A noite de Amesterdão deixou-vos de rastos? Nada como o Hotel De Weyman. O local ideal para relaxarem e passarem uma noite calma a dois. Por fora, De Weyman quase que passa por mais uma casa holandesa, contudo, é bastante espaçoso. Os donos são simpáticos, falam um inglês fluente, e estão sempre disponíveis para vos ajudar. O próprio Hotel tem um bar, e também serve refeições.

Cheiraram as tulipas, passearam pela praia, e beberam uma Amstel no De Wildeman. Está na hora de finalmente darem um salto a Amesterdão. Embora ir de carro possa parecer uma opção mais cómoda. Os vossos bolsos vão agradecer se forem de comboio. Os parques de estacionamento em Amesterdão, embora comuns, são excessivamente caros. Em algumas zonas, podem mesmo chegar a cobrar seis euros por hora. Os comboios entre Santpoort Noord e a capital holandesa são bastante regulares, e a viagem não demora mais de meia hora.

Santpoort Noord é uma agradável alternativa à confusão metropolitana de Amsterdão. Um contraste improvável entre uma noite boémia, e umas férias românticas, a poucos quilómetros de distância.

Publicado em 25 de Setembro de 2013 no Blogue Vontade de Viajar
Reeditado em 10 de Outubro de 2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Eurotrip: Prólogo

“Não o consigo acompanhar. Não com este ritmo”. O cansaço apoderava-se de mim. As minhas energias escoavam pela sola das sapatilhas. Cada passo que emergia sob o suave piso laranja deste circuito de manutenção, sentia-o como um martírio contínuo, sem fim à vista. Pura estamina e força de vontade. Nada mais me fazia seguir em frente. A mente ignorava a dor que assolava o meu corpo. Apenas assim, podia continuar a correr. 

O Luís já ia lá à frente. “Já falta pouco”, pensava. Faltava pouco mas não o podia acompanhar. Baixei o meu ritmo. Perdido num limbo entre o Luís e o Paulo, os dois em extremos opostos de velocidade. Tinha que encontrar o meu passo. Não podia parar. Não podia pensar. Tinha que descansar em corrida.

Este era um Verão atípico. Frio. Céu mais vezes cinzento, que azul. Todas as semanas, mais do que uma vez, Eu, o Luís e o Paulo, encontramo-nos para correr ao final da tarde. À mesma hora, no pequeno jardim da Rotunda do Carregal. É aí que iniciamos o nosso percurso.

Construído na última década, a Avenida da Régua tem agora um circuito de manutenção. Dois caminhos alaranjados, próprios para correr, caminhar, ou passear de bicicleta. A principal artéria que liga Ovar à Praia do Furadouro, ganhou assim uma nova vida. Todos os dias, faça chuva, ou faça sol. No frio do Inverno, ou no calor do Verão. Todos os dias, várias pessoas juntam-se neste percurso para praticar exercício. Seja ele solitário, ou entre amigos. Esta é uma nova tradição vareira. O culto de uma vida saudável, numa terra regada por espaços verdes, pelo mar, e pela paisagem natural da Ria de Aveiro.

O nosso ritual é cumprido de forma quase ortodoxa. Do Carregal até aos Bombeiros, dos Bombeiros até ao Carregal. Sempre a correr. Alongamentos no jardim e uma caminhada até ao Furadouro. Finalizada com o já habitual momento de contemplação do pôr-do-sol, em um dos esporões que povoam a paisagem. Deixo a minha mente apagar-se perante a imensidão do oceano. Descanso, e encontro alguma paz.

Mas esse momento ainda estava longe. O Luís já ia lá à frente. Não o podia alcançar. Ainda tinha mais um quilómetro por percorrer. Decidi abrandar ainda mais e aguardar pelo Paulo. Sem parar. Não podia parar. Não tardou até que ele me alcançasse. Visivelmente cansado, sempre me questionei porque ele teimava em levar o telemóvel consigo. Embora a música seja boa para manter a cabeça ocupada, o peso extra não o ajudava.

Adoptei o seu ritmo mais calmo, e continuei. As minhas forças começaram a recuperar aos poucos. A dor que sentia começava a esvanecer. Quando finalmente chegámos ao Carregal, não queria parar. Chamei pelo Luís, que já descansava, no jardim, para continuar connosco. Ele disse que seguia a pé, mais tarde. O Paulo concordou, e continuámos a correr em direcção à Praia.

Como se tivesse rejuvenescido, sentia que era capaz de ultrapassar os meus anteriores limites. “Era desta que ia conseguir fazer seis quilómetros seguidos sempre a correr”. Este pensamento motivou-me. O cansaço continuava ali, mas algo mais estava a puxar-me em frente. Já não estava em esforço. Ia conseguir. Perdidas em alguma reserva desconhecida, consegui recuperar as energias necessárias para ultrapassar esta barreira. Era livre. Naquele momento, eu iria voar.

Quando estávamos a pouco mais de 500 metros do fim, o ritmo do Paulo já não era suficiente para mim. Acelerei. Corri. Mais rápido do que antes. Mais rápido do que alguma vez tinha conseguido. O Paulo seguia-me, não muito atrás.

Continuei até às Varinas na entrada do Furadouro. Saltei para dentro da Rotunda, e como o Rocky, ergui os meus braços para o céu. O Paulo chegou pouco depois. Já pelo caminho festejávamos este feito, que à partida, nenhum de nós acreditava ser possível de alcançar.

Aguardámos pelo Luís que ainda tardou um pouco a chegar. Não me lembro de alguma vez me sentir tão feliz por algo que, para muitos, não passava de um feito banal. 

Reunimo-nos os três no esporão. Ainda faltava algum tempo para o anoitecer. O Luís foi o primeiro a falar.

“Uns amigos estão a pensar organizar uma viagem de carro pela Europa. Vocês alinham?”

“Uma roadtrip europeia?”, perguntou o Paulo.

A ideia parecia-me cara, mas uma voz adormecida nos confins da minha mente, gritava pelas palavras de um escritor que, ainda, não conhecia. “O importante é partir, não é chegar”.

“O importante é partir”, disse para mim próprio.

Passado algum tempo, regressámos ao meu carro. Pelo caminho partilhávamos ideias. Raramente interessantes, projectos, e histórias com pouco, ou nenhum sentido.

O Paulo foi o primeiro a sair, ou não vivesse ele bem próximo do centro da cidade. Típica cidade do litoral português, o centro de Ovar é uma praça simples em calçada de granito, com a Câmara Municipal, alguns serviços e restaurantes, e uma Igreja de Santo António que, numa freguesia cujo Patrono é São Cristóvão, santo protector dos viajantes, acaba por deixar algum mistério na sua origem. 

E em viagem seguimos, de regresso a casa.  Breves quilómetros atrás do volante, por ruas já muito familiares. Demasiado familiares. Era hora de partir. “Em qualquer viagem, o importante é partir.”

“Luís, podes contar comigo. Já era tempo de fazermos uma Eurotrip!”

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

XXII

Todas as luzes no céu são estrelas (título original)

Um sentimento de Fogo cresce.
Dentro de mim,
Uma chama acesa,
Solitária, luta contra a escuridão.

Fogo. Que se alimenta de emoções,
Não de Ira, Raiva, Amor ou Paixão.
Mas de uma voz, uma voz que grita,
Que anseia por Resolução.
Por se fazer ouvir,
Por Determinação.

Chama que consome.
Envolve a penumbra,
Ilumina o Universo,
E cresce.

Cresce, consome.
Aquece tudo em seu redor,
Penetra pelas paredes, da sua própria existência.
Arrebata as redes da sua Negação,
Propaga o seu alcance,
Até ao extremo do seu lar.

Ultrapassa-se a si própria.
Liberta-se das amarras.
Amarras que a detém,
Nós cegos, por si feitos.
Feitos, assim. E por si, enfim Desfeitos.

Chama interior,
Nascida estrela,
Vive, olvidada, envolta em escuridão.
Sonho, desperto.
Fome de Motivação.
Fogo descoberto,
Não mais encoberto.

Dúvida, Incerta.
Certeza, dúbia.
Insignificantes palavras,
Frente tão bela e luzia, esperança.
Hoje desperta,
Não mais dormente.

Todas as luzes no céu são estrelas,
Como é, tão bem, estrela esta luz.
Todas as chamas são fogos,
Fogos amigos, que a estrelas ambicionam.
Que dia, após dia, sonham,
Com a luz, que assim se concretiza,
E com a estrela, que enfim, neste dia desperta.

Covilhã, 19 de Julho de 2013