quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Querido Pai Natal

Há muito tempo que não te escrevo. Há muito tempo que não me respondes. Tenho saudades daquelas manhãs de Natal, em que acordava e todas as prendas que eu te tinha pedido, com excepção de algumas que, agora que olho para trás vejo que foram pedidos completamente sem sentido, estavam ali na cozinha, ao lado do meu sapato. 

Uma vez, até me esqueci de uma delas, que ficou perdida atrás da mesa. Lembraste daquela vez que te esqueceste do teu gorro? Queria muito tê-lo aqui comigo. Talvez um dia pergunte à minha Mãe onde ele está.

Este ano voltei a portar-me mal e acho que não mereço que me visites. Não que alguma vez o tivesse achado, mas Tu lá vinhas. Eu não sou um dos bons. De certeza que há muita gente por aí que merece mais as minhas prendas. Não me importo que continues a não me visitar. Os meus pais e eu trataremos de arranjar aquilo que quero ou que preciso. Afinal como é que os teus duendes vão fazer DVDs? Só queria que me voltasses a responder.

Gostava de ter uma lareira para escrever esta carta e queimá-la, como ouvi dizer que faziam na Dinamarca. Terei que ter esperança em que já te tenhas dedicado às novas tecnologias, e que um dia venhas a ler esta carta que hoje te escrevo.

Agora sou capaz de compreender o porquê de Tu existires, assim como o porquê de certas pessoas precisarem que Tu existas. 

Eu sempre adorei o Natal. Não só por Ti, mas também pelo Menino Jesus, embora ele tenha nascido a 17 de Abril. Daqui a poucas semanas vou montar as árvores e enfeitar a casa. Vou comer rabanadas, bilharacos, fruta cristalizada e bacalhau. Vou abrir as prendas, algumas já mais que anunciadas, outras, apenas meros envelopes com papéis de tecido, alguns chocolates, e algumas peças de roupa para pôr num canto do meu armário. 

O próximo ano será diferente. Eu sei que vai ser. Só gostava que fosse melhor. Até lá, fico à tua espera. Nunca te esquecerei Pai Natal.

Um abraço, do mesmo de sempre.
 

Publicado em 8 de Julho de 2013

E agora algo completamente diferente...

Imagem DR
Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch

Não, isto não são letras ao acaso. Este é o nome de uma cidade do norte do País de Gales. Na foto podem ver o placar da estação com o nome da cidade.

Este nome quer dizer o seguinte:

St Mary's church in the hollow of the white hazel near a rapid whirlpool and the church of St. Tysilio of the red cave.

A Igreja de St Mary na cavidade da avelã branca perto de um remoinho com rápidos e a Igreja de St. Tysilio da caverna vermelha.

Talvez fosse mais fácil chamar-se SítioComNomePraticamenteImpronunciável.

E esta, hein?


Publicado em 7 de Julho de 2013

sábado, 12 de novembro de 2005

VI

Um dia de Chuva (título original)

Mais um dia de chuva.
Mais uma gota que cai.
Vejo, nesta janela embaciada,
Um rosto que não me diz nada.

Essa sombra desaparece,
E só cinzento, e gotas se sente
Cá dentro, um frio. Um momento.
E nada de mais.

É apenas outro dia chuvoso.
Mesmo estando o sol a brilhar,
As nuvens não irão cessar.
O céu, cinzento permanecerá.

Procuro o teu gesto no horizonte.
Ou qualquer outro gesto,
Mas nada encontro.
Apenas nada de mais.

Demasiado nada para continuar a olhar.
Volto-me da janela,
E sou levado para outro nada.
Onde nada espera te encontrar.


Publicado em 4 de Julho de 2013

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

O Milagre

Nossa Senhora de Fátima
Recentemente li um livro intitulado "O Terceiro Segredo". O autor, de nome Steve Berry, é um americano que já desde tenra idade se fascinou por Fátima. Apesar de ser um bom português, não imaginava quão grande era o impacto que Fátima tinha no resto do mundo. 

Todos acordámos em certas manhãs, e ligámos a TV para ver as celebrações das Eucaristias em Fátima. Milhares de fiéis sempre presentes, faça chuva ou faça sol. Todos ali, atentos às palavras do sacerdote que a estivesse a celebrar. 

Embora já tenha visitado Fátima várias vezes, nunca reparei na mediatização que existe à volta dela, nem no número gigantesco de fiéis que a ela são atraídos todos os anos, provenientes dos quatro cantos do mundo. Eu sei que a Terra é quase uma esfera, e que por isso não tem cantos, mas isso fica para outro artigo.

Era 1917, três pastorinhos guardavam o seu rebanho na Cova da Iria, assim era chamado o local, quando as suas atenções são desviadas para uma senhora de branco. Quase cem anos depois, o sentimento de espanto das pessoas que presenciaram a sua última aparição, quando assistiram, perplexas, ao Sol a dançar no céu, continua a atrair os fiéis. Tudo por uma questão de fé? Não o diria de outra maneira.

Muitas pessoas descreditaram as aparições, argumentando que o que se passou não era mais do que um episódio de histeria em massa. Também sou um desses cépticos contudo, gostaria de ter estado lá, para testemunhar com aquelas pessoas o que verdadeiramente se passou. 

Penso em todas as questões que se levantam, e em toda a vontade de desacreditar o que lá aconteceu. Mesmo assim, quase cem anos depois, continuo a ligar a TV, e a ver o Santuário apinhado de gente. Não seria tão bom que esta história fosse real? Qual é o mal em ter um pouco de fé? Não é ela que nos ajuda a encontrar um significado para a vida? Ou a aceitar que a vida tem um significado? 

Para mim, é difícil aceitar isto tão abertamente. Tive que esperar até ser Confirmado para começar a questionar verdadeiramente a minha fé. Como alguém uma vez me disse, não devia ter feito o Crisma se não estivesse pronto. E não estava. Mas agora sou um Confirmado, pelo menos aos olhos da Igreja. Mas o assunto, não sou eu, nem essa instituição, o assunto é Fátima. 

A Nossa Senhora, a "Virgem", a Madona, a Mãe de Jesus, desceu aos céus para dar três mensagens a três pastorinhos. Ou melhor, a dois, pois Francisco nunca chegou a ouvir o terceiro. 

No romance de Steve Berry, o terceiro segredo revelado por João Paulo II no ano 2000, era o tema principal. A premissa do livro afirmava que faltava uma parte do segredo, e que o Papa esqueceu-se de a dizer, por desconhecer a sua existência. Essa mensagem, como qualquer leitor viria a descobrir no fim, era uma mensagem de aceitação. Aceitação do amor em todas as suas formas, mesmo por parte de "Homens de Deus". Aceitação do direito da Mulher em escolher se vai ou não ser mãe. Resumidamente, a quebra de todos os dogmas que a Igreja tem vindo a reivindicar através da "palavra" de Deus. 

Mas este livro, ao contrário de outros, não desacreditava o papel da Igreja. Apenas lhe dava um empurrão para que esta pudesse mudar, e adaptar-se àquilo que os Céus realmente querem ver-nos a fazer cá em baixo. 

Na verdade, com um Deus tão liberal, e com um Terceiro Segredo de Fátima tão apelativo, até ponderava tornar-me crente. Pelo menos, aprendi a não ignorar este milagre que aconteceu aqui tão perto de nós, e que para todo o sempre dará outro sentido, não só a Portugal, mas à nossa própria existência.

Publicado em 3 de Julho de 2013

domingo, 6 de novembro de 2005

Cursos e Sonhos

Acabei o liceu, e agora? Todos acabamos por fazer esta pergunta. Ninguém acharia isto estranho, contudo, o que eu acho estranho é a resposta que mais frequentemente se faz ouvir: “Gostava de ir para Medicina”.

Há uns meses atrás assisti a uma palestra de um Professor da Universidade de Coimbra. Nela, ele apelava a um maior interesse pelas ciências, que ultimamente têm perdido muitos alunos para as ciências sociais. Não sei se a Medicina é considerada uma ciência social, duvido muito que o seja, mas concordo que esta deve ser posta de lado quando falamos de cursos científicos.

É estranho o elevado número de alunos que, tendo escolhido no nono ano um curso científico, acabam por ambicionar seguir Medicina. Não me considero um jogador compulsivo, mas era capaz de apostar que a grande maioria deles não quer na verdade seguir isso.

Os alunos de hoje vêem os seus caminhos bloqueados por cartazes a dizer-lhes para encarar uma realidade fantasiosa, e falaciosa, que é exposta na comunicação social, e canalizada pelos seus pais. Foram muitas as vezes que alguém me disse que tinha como sonho seguir um curso ligado às Ciências, como Biologia, Geologia, Física, ou Astronomia. Infelizmente, desistem afirmando que esses cursos não têm saída. Porque é que a grande maioria dos jovens teima em matar aquela criança que sonhava com um dia chegar às estrelas?

São vítimas da pressão dos pais? Dos amigos? Da sociedade? Ou talvez, vítimas de uma vontade tremenda de crescer demasiado depressa. Não ponho de lado a certeza de que alguns deles têm mesmo como sonho seguir Medicina. Mas todos aqueles que mudaram o seu sonho por outro motivo que não a perda de interesse, estão a cometer um erro, e vão passar o resto das suas vidas arrependidos por o terem feito.

Não deve existir nenhum motivo para pararmos de sonhar. O vosso sonho não tem saída? Já pensaram que, como a maioria escolhe apenas os cursos com saída, que talvez a procura pelo vosso emprego de sonho aumente, devido à diminuição de pessoas formadas nessas áreas, e que tenham assim uma hipótese muito maior de arranjar emprego, do que qualquer aluno de Medicina?

De qualquer das formas, quem faz o que gosta, e é bom a fazê-lo, não tem problemas em ter sucesso. É com este pensamento que devem fazer a vossa escolha. Não sigam os conselhos dos vossos pais, amigos, familiares ou professores. Sigam o caminho que o vosso coração vos quer mostrar. Ponham de lado essa perspectiva pessimista da realidade. As pessoas à vossa volta são portugueses, não têm outra escolha que não serem pessimistas. Não se deixem influenciar por quem apenas quer transmitir para vocês a sua forma de pensar.

“Vou seguir Medicina (ou outro curso qualquer) porque tem saída.” Quando esta frase se extinguir, talvez aí passemos a ser vistos como um povo mais optimista. Cabe a vocês, e às vossas convicções, dar ouvidos ao que deve ser ouvido: Os vossos instintos. Eu sonho um dia ser feliz com aquilo que faço, e vocês?

Publicado online em 6 de Novembro de 2005
Publicado pelo Jornal "A Melga" em Junho de 2006
Reeditado em 2 de Julho de 2013