sábado, 25 de março de 2006

Shouting in the Nothingness

Imagem DR
Era de manhã. Não havia antes, nem necessidade de o tratar como antes. O Sol já ia alto, bem acima das nuvens. Tão alto que cá em baixo, apenas o cinzento da luz ofusca se reflectia no ar carregado do horizonte.

Mais um dia nublado. O início de uma Primavera normal, como sempre foi. Nenhum antes para sentir falta de. Apenas um dia como todos os outros. Mas, como todos os dias normais, este não seria escrito se não fosse algo mais do que apenas isso. Com nada em particular para fazer, parto para o sítio do costume, onde nada em particular se iria passar. Não num dia tão normal como este.

Dava-me como concretizado, ao conseguir encontrar alegria num dia cinzento. Passando assim a pertencer a um grupo restrito, daqueles que são capazes de o fazer.

Ao subir as escadas, nada para além da normalidade. Normalidade de degraus. Incontáveis. Permanentes e passados. Mantêm uma eterna indiferença rochosa perante tudo aquilo que por eles passa.

Continuo até ao topo. Caminho para aquele local, onde lá estarei, para me banhar pela normalidade que absorve este dia. Que dias normais, esses passados, subindo e descendo degraus, caminhando por passeios e estradas, sobre as quais outros passavam. Outros que seguiam as suas rotinas, procurando o mesmo propósito de uma busca pela normalidade.

Tudo isto ainda não era um antes, se alguma vez viria a ser. Era aquilo que era. Era um agora. Um agora que não precisava de um antes. Que não sonhava em ser um antes, e que não precisava de um antes.

Todos estes caminhos assim continuam, até ao dia em que os agoras do presente se tornem nos antes do passado. Antes que perseguem estes presentes, não como ofertas, mas como aquilo que são: Lembranças de um antes que já foi um agora.

Caminhos férreos, acidentes, realidades, anjos, terraços, perigos, bicicletas e viagens, sempre viagens. E assim, todos os antes culminam num agora. Um agora incapaz de ser aceite. Um agora que não passa disso. Apenas um agora em toda a sua normalidade. Um agora que não teme nem anseia por um antes.

Porque tem algo de ser salvo? Porque tem algo que desaparecer? Porque tem algo de ser relembrado?

Perguntas vãs, com respostas sem sentido. Nem o nada sabe aquilo que é, ou que não é. Hoje é um dia normal. O dia da eterna e simplista nebulização, que nos acinzenta o caminho para a alegria.

Publicado em 5 de Agosto de 2013

sexta-feira, 10 de março de 2006

IX

O Futuro (título original)

Nevoeiro encoberto,
Longínquo Fervor.
Nada para temer,
Nenhum medo para ter.

Futuro, palavra indistinta.
Sem sentido, ou vontade.
Perfeita desnecessidade,
De uma missão extinta.

Longitude horizontal,
Cá num canto de Portugal.
Olhos de Europa perdida,
Futuro incerto, de uma morte desmedida.

Futuro deste, ou daquele.
De mim, ou de ninguém.
Que adianta procurar nele,
A inexistência de alguém?

Futuro, palavra maldita.
Sol de inverno porvir.
Primavera, daquela que foi bem dita.
Sem rumo, ou direcção, de onde partir.

Futuro, que te procura.
Quer-te, e tem-te.
Não há nada a fazer,
Apenas nada a temer.


Publicado em 24 de Julho de 2013