domingo, 22 de fevereiro de 2009

XVII

Não me apraz ir a lugar nenhum,
Pois em lugar nenhum te encontras.
As regras que assim me prendem,
Estabelecidas por ti,
Forçam a minha ausência,
Do único destino que desejo seguir.

Palavras que as guardo em diários por escrever,
Carregadas de sentenças que o tempo transforma em interrogações,
Ocupam-me os pensamentos de meios-dias perdidos.
Esquecidos no tédio do volver das horas,
Interminável, como o teu legado.

Encontro-me por ora exausto,
Cansado como quem desperta de uma longa existência dormente,
De mente estafada, governada pelo conflito.
Ansiedade, e receio, por aquilo que aguarda.
O malogrado momento,
Daquele que não desejo que seja mais um triste fado,
Do contínuo caminho cinzento, de indústria desinspirada.

Aguardo por um veredicto,
Como réu inocente, incapaz de fugir à culpa da acusação.
Os meus quereres, os meus desejos, as minhas vontades,
De nada valem nesta hora dispensável,
Pois de nada vale ponderar na alternativa, quando a decisão já há muito foi tomada.

Aguardo na ignorância,
não é ela, a felicidade?
Ignorância, auto imposta,
dos lugares comuns que a experiência fornece.
Apesar disso; ignorância, apenas e só.

Desejo ver-te, desejo falar-te,
Desejo encontrar-te,
Enfim, desejo-te.
Mas pensar além das fantasias do inconsciente,
destrói-me pela ciência de tudo o que é real.

Que posso fazer, se não aguardar.
Aguardar o regresso das tuas palavras,
O reencontro das tuas feições.
Seja qual for o ditado final,
A réstia da esperança deste ser exausto,
Descansa apenas na espera do acordo...
Não. Da promessa, arquivada num tempo e num lugar,
Que embora reviva a cada momento,
Não desejo recordar.

Não me apraz ir a lugar algum,
Pois em lugar algum te encontro.

Publicado em 27 de Agosto de 2013

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Alexandre Rosas: “A fome que tenho, às vezes até exagerada, é sem dúvida de uma dedicação total ao Carnaval”

Cartaz Carnaval de Ovar 2009, por Alexandre Rosas
Cinco vezes vencedor do concurso do cartaz de Carnaval de Ovar, Alexandre Rosas confessa ao Praça Pública os segredos por detrás deste sucesso. Como pano de fundo a oficina onde são criados os cartazes do vencedor da Vitamina da Alegria de 2009, o designer mostrou ser um verdadeiro aficionado do Carnaval Vareiro.

A primeira vez [que venci a competição do Cartaz de Carnaval] vale um mundo! Pode-se dizer que era um sonho de criança.

Praça Pública: Foi o vencedor do concurso do cartaz de Carnaval deste ano. O que o inspirou na criação do cartaz?

Alexandre Rosas: É complicado falar em Carnaval. É sempre um palhaço ou uma ilustração, e este ano tentei pensar em alguma coisa que de facto mostre o nosso carnaval. Este ano optei pela noite mágica, um evento que a fundação do Carnaval está a apostar bastante e portanto foi por aí que comecei o meu trabalho. A noite mágica significa exactamente aquilo que eu tento transmitir no cartaz. A diversidade das pessoas e dos vestimentos, desde o mais elaborado ao mais prático. Da pessoa que faz a sua máscara e que se fantasia de um animal ao outro tão simples que pega numa ligadura e num bocado de tintura e vai como se fosse um ferido. Todas as personagens que eu represento são uma tentativa de mostrar às pessoas o que se faz nos bastidores e que é a já famosa, noite mágica.

PP: Como é vencer cinco vezes este concurso?

AR: [Risos] A primeira vez vale um mundo! Pode-se dizer que era um sonho de criança. Sempre admirei estas artes e sempre apreciei quem as faz, e os cartazes em particular, seja de carnaval, seja doutro evento qualquer. Inicialmente era um sonho que tinha de miúdo e neste momento vencer cinco vezes já não me diz nada. Diz-me apenas que tenho evoluído em termos profissionais. Tento ser o mais original possível de forma a dignificar o Carnaval de Ovar, e a transmitir a melhor mensagem e da melhor forma. Claro que há o prémio e isso também conta, mas mesmo que não houvesse concorria na mesma, com a mesma atitude e com a mesma forma de trabalho. Fico sempre satisfeito se me for dada esta responsabilidade de divulgar o Carnaval de Ovar.

PP: Qual é a reacção que as pessoas costumam ter aos seus cartazes?

AR: Este ano, felizmente, tem sido bastante boa. Foi um dos melhores trabalhos que fiz, ou, pelo menos, que mais tempo dediquei. Foi dos cartazes que mais elaborei e que mais trabalho me deu. Há sempre a crítica, e se ela for positiva é sempre bem vinda e é com isso que eu tenho aprendido. Nestes tais cinco anos em que tenho ganho os cartazes tem havido uma evolução, em parte, graças à crítica que fazem. Depois há a crítica destrutiva de quem, enfim, por algum motivo não gosta. Nunca dei grande importância a isso apenas foquei aquelas que são as críticas mais importantes, que são construtivas, e aprendi com isso. Já dos amigos mais próximos, há sempre a satisfação por verem o meu trabalho ganhador, com o 1.º prémio. Dos colegas de trabalho há um cumprimento, há um reconhecimento, enfim, é sempre bom. É uma sensação boa saber que o trabalho é apreciado.

Sou uma das pessoas que vive o Carnaval e que defende a tradição e todas as marcas do Carnaval de Ovar.

PP: Como define o seu estilo em termos de design e dos cartazes que faz?

AR: O meu estilo... [risos] É um pouco inato. Eu faço um pouco de tudo, adapto-me bem ao tipo de trabalho e ao género de trabalho que tenho de fazer. Sem dúvida nenhuma este trabalho que apresentei este ano é a minha imagem, é a minha expressão. Talvez me defina através dos bonecos, com a expressão, com o exagero. Principalmente a expressão, o movimento. O que tento fazer é de facto não só um cartaz que não passe de um cartaz, mas um que seja algo que amigos e que os tais críticos já consigam dizer que reconhecem ser o meu trabalho. Cor, animação, alegria, esse tal movimento que simboliza o meu trabalho puro. Aquilo que eu realmente gosto de fazer, aquilo que eu realmente acho que tenho mais vocação é para este género de ilustração, como a que apresentei este ano.

PP: Acha que os seus cartazes reflectem, de certa forma, a História do Carnaval de Ovar?

AR: Eu pessoalmente penso que sim. E esta acaba por pegar em termos que são sem dúvida os termos principais do Carnaval de Ovar. Devo falar no cartaz do ano passado, embora por poucos entendido, infelizmente, porque de certo modo não o associaram à imagem tão antiga do Carnaval que é o dominó. Eu apresento a noite mágica este ano, apresentei o Rei há 2 anos, nos outros anos houve anos em que apresentei cartazes mais virados para a música, mas de uma forma geral tento ir aos temas que definem o Carnaval. Sou uma das pessoas que vive o Carnaval e que defende a tradição e todas as marcas do Carnaval de Ovar. Se recuarmos há uns anos atrás, vemos os cartazes de artistas como o José Penicheiro, que faziam ilustração, e notamos que são poucos os que se vêem com imagem. É claro que os tempos evoluíram, as técnicas e os desenhos também, e portanto acho que de facto os meus cartazes focam um pouco do que é a História do Carnaval.

PP: Que futuro podemos esperar dos cartazes do Alexandre Rosas?

AR: O meu futuro só Deus sabe. Mas em termos profissionais, continuo a lutar para alcançar os meus objectivos pessoais que são muito simples: ter trabalho e dedicar-me àquilo que gosto. Em relação aos cartazes é um pouco difícil, por que se eu hoje faço uma ilustração, amanhã estou virado para outra coisa qualquer e apresento uma coisa diferente. Podem sempre ter cor e alegria, que eu acho que é a base do Carnaval. É difícil dizer o que vem por aí. é um pouco como a música, como a moda. Julgo que vou tentar, ano após ano, ser inovador e tentar trazer coisas novas.

PP: De certa forma está a tornar-se numa figura do Carnaval de Ovar, que aspectos acha que deve melhorar e que aspectos acha que já estão estabelecidos?

AR: Não sou propriamente uma figura do Carnaval de Ovar, sou alguém que trabalha muito no Carnaval de Ovar. Não só na participação do cartaz, este ano também participei no concurso do dominó. Participo no carnaval activamente como grupo, como elemento da própria fundação no Concelho Consultivo e portanto sou uma pessoa que dedica muito do seu tempo ao Carnaval. Gosto das tradições de Ovar, nomeadamente do Carnaval. O futuro do Carnaval penso que está um pouco difícil por questões financeiras. Há mais exigência, há mais qualidade, as pessoas já não abdicam disso mesmo. Há outro tipo de eventos que nos rodeiam, desde Estarreja a St.ª Maria da Feira, que já têm um grau de qualidade muito grande e portanto nós não podemos deixar esse comboio. Na nossa arte, não digo isto por ser de Ovar, mas por aquilo que tenho visto, temos artistas fantásticos que fazem coisas extraordinárias, e que muitas das vezes não são apreciados. Acho que deviam valorizar isso mesmo no sentido de tentar que com menos dinheiro, mas com outros meios, conseguir-se um futuro risonho para o Carnaval de Ovar. Como elemento do carnaval sei das dificuldades que temos para poder trabalhar, que cada vez são mais. Há falta de dinheiro e dificuldades das instalações. Com a Aldeia do Carnaval existe a possibilidade de darmos um passo significativo em termos de qualidade, nomeadamente nos carros alegóricos. As pessoas de Ovar devem fazer do Carnaval a festa da cidade.

PP: Para terminar, já referiu de certas formas a sua maneira pessoal de viver o Carnaval. Mas, mais pormenorizadamente, como vive o Carnaval de Ovar?

AR:
[Risos] Eu vivo-o até à exaustão com exageros em algumas partes. Abdico de muita coisa como a família, a esposa, a mãe, o sobrinho e amigos que não os meus amigos de carnaval, como eu lhes costumo chamar. Abdico de muitas horas de sono e passo muitas horas a pensar naquilo que existe para fazer, com o objectivo de representar o Carnaval da melhor forma possível. O final do Carnaval é dos momentos mais tristes. São dois meses em que estamos todos os dias juntos, um grupo de pessoas, e onde se criam laços que depois parece que desatam, que acabam. As pessoas seguem as suas vidas como faziam antes do Carnaval e, infelizmente, esses tempos passam e volta tudo ao normal. Mas a fome que tenho, às vezes até exagerada, é sem dúvida de uma dedicação total ao Carnaval.

Entrevista para o Jornal Praça Pública e para a PraçaTV
Publicado em 2 de Setembro de 2013

Rei Artur abre o coração aos seus súbditos

Rei e Rainha do Carnaval, Foto: Adriano Cerqueira
Artur Almeida, também conhecido por Artur Loureiro, é este ano o folião com a responsabilidade de carregar a coroa da maior festa da cidade de Ovar. Entre um café digno de “corte” e os demais compromissos “reais” el-Rey Artur Loureiro cedeu algum tempo ao Praça Pública para comentar o actual momento do Carnaval de Ovar.

“Nunca pensei, mas já estou ligado ao Carnaval desde os anos 30. Saía todas as noites a partir praticamente do Natal. Chegamos a sair uma vez no dia 27 de Dezembro, do ano anterior ao ano do Carnaval. Eu sou um rapaz novo e sinto-me em forma para o Carnaval, gosto de conviver, gosto do meu reinado e de ser folião”, confessa Artur Almeida.

Sobre a recente coroação, el-Rey apenas afirma que “talvez este convite devesse ter sido feito mais cedo”. Artur Almeida promete viver o seu reinado com “boa disposição, optimismo” e “dar o possível e o impossível, com orgulho daquilo que os meus súbditos fizerem, desde que não faltem aos compromissos e que cumpram as regras do reinado.”

Não só de memórias de bons tempos passados entre camaradas recorda Artur Loureiro, os tempos do antigo regime, impunham algumas restrições ao Carnaval, que nem sempre eram cumpridas por este folião.

“Antes do 25 de Abril não se podia passar pela praça. Fazíamos as nossas noitadas, saiamos depois do Natal e não saiamos junto à Praça. Íamos ao café, pela rua do Carvalho, só depois da ponte do rio Cáster é que começávamos a desfilar e a fazer barulho, vestidos de lençóis brancos, a fazer de bruxas. Só a partir daí é que a Arruela e a Estação, faziam essas noitadas todas pelo grupo dos Campos, porque não era permitido andarmos de noite pela rua a fazer barulho”, relembra.

Os velhos tempos obrigavam os festivaleiros a fazer os seus próprios fatos, dando asas à originalidade com o pouco material que tinham disponível. “O Carnaval de hoje em dia é mais sofisticado, há mais possibilidades de o fazer, com materiais muito mais fáceis de arranjar. Antigamente nós fazíamos com aquilo que tínhamos à nossa frente. Fazíamos as indumentarias, mas quando chovia, o papel diluía. Isto antes do Carnaval organizado, fazíamos os fatos em noites em que o Carnaval era no Cineteatro, na sociedade mercantil, na estação, nos bares do Salvador, e mais tarde no café Progresso. Lembro-me de ir com os meus pais ao Mercantil quando era pequeno”, recorda Artur Almeida.

O actual coroado do grande corso vareiro, viveu os tempos do velho Carnaval sujo, muito à semelhança da tradicional “Tomatina”de Buñol, em Espanha. “O Carnaval sujo teve uma data, teve uma época, hoje em dia já não pode ser assim. O Carnaval é mais comercializado e é para fazer publicidade. Já não se pode brincar ao Carnaval. Acabou o jardim em frente ao chafariz Neptuno, onde na terça-feira de carnaval, depois das seis da tarde, quem estivesse a assistir, assistia, com as consequências que isso representava e quem não queria não se metia”. El-Rey diz ainda ter-se “perdido a tradição”. “Hoje o Carnaval envolve muito dinheiro. Antigamente era mais fácil, digamos assim. Hoje tem que ser assistido, e quem quiser ver tem que se sujeitar a pagar”, critica.

Anunciada a construção da Aldeia do Carnaval, Artur Almeida vê com bons olhos a evolução do Carnaval de Ovar, sugerindo ainda uma menor preocupação com o consumo de álcool, pelo menos dentro das “muralhas” vareiras. “O Carnaval de Ovar vai evoluir e tem que ter um caminho longo para fazer uma representação do concelho. Representando cada freguesia com o género carnavalesco. Era engraçado que todas as freguesias participassem, o que iria aumentar o espírito do carnaval de Ovar.”

“Relativamente à questão da aldeia do carnaval, já devia ter sido feita há muito tempo. Antigamente, há noite saíamos a todos os grupos e visitávamos. Não havia a questão do transporte, andávamos de sede em sede sem sermos assediados. Hoje é difícil fazer-se isso. Quem anda no Carnaval a beber água? Ninguém! Vinho tinto e do bom, como dizia, as carnes só se conservam em vinho e não em água! Por conseguinte, nós somos perseguidos pela polícia. Por que é que somos perseguidos dentro de Ovar, quando temos aqui uma festa vareira? Para mim, a própria Comissão do Carnaval devia interferir no assunto para chegar a um consenso com a polícia cá dentro. Facilitar o consumo de álcool, não em excesso mas dentro dos limites mínimos ou máximos”, confessa.

Para finalizar a análise de sua majestade à grande festa que é o Carnaval vareiro, el-Rey Artur Almeida deixa a seguinte mensagem a todos os seus fieis súbditos: “Que todos gozem o Carnaval com muito boa disposição, façam uma excepção à juventude que se predisponha à boa disposição, e que viva o Carnaval à sua maneira e à vontade”.

Notícia publicada no Jornal Praça Pública
Publicado em 5 de Setembro de 2013