terça-feira, 17 de setembro de 2013

Eurotrip: Prólogo

“Não o consigo acompanhar. Não com este ritmo”. O cansaço apoderava-se de mim. As minhas energias escoavam pela sola das sapatilhas. Cada passo que emergia sob o suave piso laranja deste circuito de manutenção, sentia-o como um martírio contínuo, sem fim à vista. Pura estamina e força de vontade. Nada mais me fazia seguir em frente. A mente ignorava a dor que assolava o meu corpo. Apenas assim, podia continuar a correr. 

O Luís já ia lá à frente. “Já falta pouco”, pensava. Faltava pouco mas não o podia acompanhar. Baixei o meu ritmo. Perdido num limbo entre o Luís e o Paulo, os dois em extremos opostos de velocidade. Tinha que encontrar o meu passo. Não podia parar. Não podia pensar. Tinha que descansar em corrida.

Este era um Verão atípico. Frio. Céu mais vezes cinzento, que azul. Todas as semanas, mais do que uma vez, Eu, o Luís e o Paulo, encontramo-nos para correr ao final da tarde. À mesma hora, no pequeno jardim da Rotunda do Carregal. É aí que iniciamos o nosso percurso.

Construído na última década, a Avenida da Régua tem agora um circuito de manutenção. Dois caminhos alaranjados, próprios para correr, caminhar, ou passear de bicicleta. A principal artéria que liga Ovar à Praia do Furadouro, ganhou assim uma nova vida. Todos os dias, faça chuva, ou faça sol. No frio do Inverno, ou no calor do Verão. Todos os dias, várias pessoas juntam-se neste percurso para praticar exercício. Seja ele solitário, ou entre amigos. Esta é uma nova tradição vareira. O culto de uma vida saudável, numa terra regada por espaços verdes, pelo mar, e pela paisagem natural da Ria de Aveiro.

O nosso ritual é cumprido de forma quase ortodoxa. Do Carregal até aos Bombeiros, dos Bombeiros até ao Carregal. Sempre a correr. Alongamentos no jardim e uma caminhada até ao Furadouro. Finalizada com o já habitual momento de contemplação do pôr-do-sol, em um dos esporões que povoam a paisagem. Deixo a minha mente apagar-se perante a imensidão do oceano. Descanso, e encontro alguma paz.

Mas esse momento ainda estava longe. O Luís já ia lá à frente. Não o podia alcançar. Ainda tinha mais um quilómetro por percorrer. Decidi abrandar ainda mais e aguardar pelo Paulo. Sem parar. Não podia parar. Não tardou até que ele me alcançasse. Visivelmente cansado, sempre me questionei porque ele teimava em levar o telemóvel consigo. Embora a música seja boa para manter a cabeça ocupada, o peso extra não o ajudava.

Adoptei o seu ritmo mais calmo, e continuei. As minhas forças começaram a recuperar aos poucos. A dor que sentia começava a esvanecer. Quando finalmente chegámos ao Carregal, não queria parar. Chamei pelo Luís, que já descansava, no jardim, para continuar connosco. Ele disse que seguia a pé, mais tarde. O Paulo concordou, e continuámos a correr em direcção à Praia.

Como se tivesse rejuvenescido, sentia que era capaz de ultrapassar os meus anteriores limites. “Era desta que ia conseguir fazer seis quilómetros seguidos sempre a correr”. Este pensamento motivou-me. O cansaço continuava ali, mas algo mais estava a puxar-me em frente. Já não estava em esforço. Ia conseguir. Perdidas em alguma reserva desconhecida, consegui recuperar as energias necessárias para ultrapassar esta barreira. Era livre. Naquele momento, eu iria voar.

Quando estávamos a pouco mais de 500 metros do fim, o ritmo do Paulo já não era suficiente para mim. Acelerei. Corri. Mais rápido do que antes. Mais rápido do que alguma vez tinha conseguido. O Paulo seguia-me, não muito atrás.

Continuei até às Varinas na entrada do Furadouro. Saltei para dentro da Rotunda, e como o Rocky, ergui os meus braços para o céu. O Paulo chegou pouco depois. Já pelo caminho festejávamos este feito, que à partida, nenhum de nós acreditava ser possível de alcançar.

Aguardámos pelo Luís que ainda tardou um pouco a chegar. Não me lembro de alguma vez me sentir tão feliz por algo que, para muitos, não passava de um feito banal. 

Reunimo-nos os três no esporão. Ainda faltava algum tempo para o anoitecer. O Luís foi o primeiro a falar.

“Uns amigos estão a pensar organizar uma viagem de carro pela Europa. Vocês alinham?”

“Uma roadtrip europeia?”, perguntou o Paulo.

A ideia parecia-me cara, mas uma voz adormecida nos confins da minha mente, gritava pelas palavras de um escritor que, ainda, não conhecia. “O importante é partir, não é chegar”.

“O importante é partir”, disse para mim próprio.

Passado algum tempo, regressámos ao meu carro. Pelo caminho partilhávamos ideias. Raramente interessantes, projectos, e histórias com pouco, ou nenhum sentido.

O Paulo foi o primeiro a sair, ou não vivesse ele bem próximo do centro da cidade. Típica cidade do litoral português, o centro de Ovar é uma praça simples em calçada de granito, com a Câmara Municipal, alguns serviços e restaurantes, e uma Igreja de Santo António que, numa freguesia cujo Patrono é São Cristóvão, santo protector dos viajantes, acaba por deixar algum mistério na sua origem. 

E em viagem seguimos, de regresso a casa.  Breves quilómetros atrás do volante, por ruas já muito familiares. Demasiado familiares. Era hora de partir. “Em qualquer viagem, o importante é partir.”

“Luís, podes contar comigo. Já era tempo de fazermos uma Eurotrip!”

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