quarta-feira, 24 de agosto de 2005

Querido Diário

Passava pouco das duas da manhã da noite anterior. Como normalmente tem acontecido, dormir não era uma opção. Embora já me encontrasse de pijama, enrolado por entre os lençóis, mesmo após ter desistido de fazer zapping, o sono não aparecia. 

A vontade de esperar para ver Everwood não era lá muito grande. A RTP bem que podia passar esta série em horários decentes, mas essa escolha a mim não dizia respeito. Agora, vejo-me a pensar em que trafulha o Ephram ter-se-á metido. Sempre quero ver se ele vai ficar com a Amy, apesar do Colin ter acordado do coma. 

Tudo isto deixa-me meio dividido, já que o Colin foi o que teve o acidente, e que se viu privado pelo destino, de uns largos meses da sua adolescência. Mas, nem tudo está mal para os lados de Ephram. Lá apareceu a misteriosamente interessente irmã do Colin, talvez Ephram tenha alguma sorte, quem sabe? Eu não, pois já devia estar a dormir quando o episódio começou.

Eram duas da manhã, levantei-me e liguei a luz para ir à "estante" (Não é bem uma estante, mas que outro nome lhe posso dar? Armário sem portas e com uma gaveta?). Estava decidido em encontrar o CD da Lene Marlin, não me perguntes o nome pois agora não me ocorre. 

Após umas três olhadelas lá consegui encontrá-lo. Olhei para a capa de trás, procurando a Fight against the hours. Ela lá surgiu, a sorrir em oitavo lugar. Baixei-me para tirar o leitor de CDs da Sony da mesinha de cabeceira.

Sim, o da Sony. Eu sei que o da Denver custou sessenta euros, e está ali por usar, mas se estou sempre a carregar a bateria dele, aquilo vicia, e não posso dizer que este CD seja de mp3, já que até é mesmo o álbum original. 

Ainda me lembro, recebi-o pelo Natal. Não sei se no do ano anterior, se no de há dois anos. O que interessa é que apenas recentemente tenho prestado mais atenção a este álbum. 

Feito isto, coloquei o álbum dentro do leitor de CDs, desliguei a luz, e desloquei-me até à janela, porta, ou varanda, como lhe preferires chamar. Quase caí sem motivo. Estava com os dois pés perfeitamente assentes no chão, mas isto às vezes falha. Na verdade, não foi bem assim, ainda ouvi uns dez segundos da música deitado na cama, antes de me levantar para apagar a luz. 

Fast forward, e uns trinta segundos mais tarde, encontro-me deitado na cama, a pensar em ir para mais perto da luz da janela. Sentei-me no chão e encostei-me no canto. Olhei para a janela, porta, ou varanda, como lhe preferires chamar, como se pudesse ver através dos estores. Mesmo entreabertos, a menos que encostasse a minha fronha aos seus buracos, não conseguia ver nada.

Ouvi a música até ao fim. Desprovi-me de qualquer sentimentalismo. Voltei a ligar a luz, para poder guardar o álbum no seu lugar, e colocar o leitor de CDs na mesinha de cabeceira. Eu guardo-o por debaixo do vidro, por isso não é assim tão simples. Não queria deixar cair a minha Ahnk, ou o meu relógio Swatch, que parou a uma certa e determinada hora, num certo e determinado dia, que eu não faço a mínima quando foi, já que logo no segundo dia do meu décimo ano, a corrente partiu-se, e o relógio ficou incapacitado, sendo agora impossível usá-lo sem trocar de corrente, o que o estragaria, e muito, esteticamente falando, claro. 

Volto a desligar a luz, e deito-me pensando em coisas triviais. Eventualmente lá consigo adormecer, embora não saiba como, nem a que horas. 

Apesar de ter acordado várias vezes, apenas quando o último dos sonhos terminou, com direito a fim, e a cenas do próximo episódio – episódio esse, que talvez ainda seja mais controverso que o anterior, bom, pele menos já posso jogar damas –, é que me decidi por levantar. Embora ainda com a letra da música na minha cabeça, acordei por volta do meio-dia e vinte. 

Passaram-se dez horas das minhas férias. Férias essas que estão quase a terminar. Pergunto-te então a ti, não te falta fazer alguma coisa?


Publicado em 19 de Junho de 2013

Tesouro Perdido na Areia

Estava na praia da Torreira quando, aos pés da minha toalha, encontro uma folha de papel quadriculado, meio enterrada na areia. 

Não vi nada de especial nela, mas algo em mim estranhava o facto de uma folha de caderno se encontrar ali. Peguei nela, lá estava escrito um estranho poema, já muito apagado. Decidi passa-lo a limpo, e aqui traduzo aquilo que sou capaz de perceber, daquelas linhas de rabisco, vítimas do desgaste do tempo.

Não sou inútil,
Sou alguém,
Ou talvez ninguém
Quem? Anda à procura de algo
Ou que talvez encontrou algo
Algo como o amor
O amor de alguém
Ou de ninguém
Porque esse alguém não é alguém é,
Sonho? Apenas que é
o Idolatrado?

Autor: Anónimo

Publicado em 18 de Junho de 2013

domingo, 7 de agosto de 2005

O Êxtase de Santa Teresa

Êxtase de Santa Teresa de Bernini
Passavam algumas horas desde que Teresa assistiu ao pôr-do-sol, no topo da torre oeste do convento de S. Euclides na Áustria. Teresa repetia este ritual todos os dias. Todos os dias, fugia às constantes chamadas da Madre que anunciava a hora do jantar. 

Todos os dias, Teresa encantava-se com o maravilhoso espectáculo de cores proporcionado pela perfeita junção da grandiosa esfera celeste, com os longos prados de flores, que rodeavam o convento. 

Os campos brilhavam em sintonia com uma miríade de cores que, aos olhos dela, só podia ser atribuído a um acto divino. Contudo, Teresa sentia que lhe faltava algo. Há já algum tempo que se sentia estranha. Um desconhecido vazio atormentava o seu coração. 

Apesar de rodeada por toda aquela beleza, algo na sua escolha de servir o Senhor, e de dedicar todo o resto da sua vida mortal a Ele, purificando-se para ser a sua esposa perfeita, não a estava a agradar. O vazio crescia a cada dia que passava, mas, naquele dia, algo estava diferente. Este desconhecido vazio fazia-se acompanhar por um estranho prenúncio do que lhe estava prestes a acontecer.

Teresa estava no seu quarto. Tinha terminado as suas preces, quando decidiu ir um pouco à janela pedir inspiração para os seus sonhos, às estrelas que iluminavam o céu nocturno. Não à Lua, pois essa tinha desaparecido. Há dias que vinha a ser engolida pelo vazio da escuridão. Mas, apesar de tudo, Teresa sabia que a Lua apenas estava noutro local, e que hoje era dia de Lua Nova. O dia de um novo começo. 

O vazio tinha atingido o seu limite. Estava na hora de o preencher. E, com este pensamento, Teresa deitou-se. Cerrou os olhos, continuando a pressentir que algo estava prestes a acontecer.

Para um mero viajante, ver um convento daqueles no meio de um prado tão longínquo era algo estranho. No entanto, devido à sua fama era rapidamente ignorado. Não por ter má fama, mas por simplesmente ser um dado garantido. A menos que precisasse de um sítio para passar a noite, nenhum viajante lhe daria grande importância. Mas tudo isso ia mudar depois desta noite.

Passava pouco das três da manhã. Todo o convento estava silencioso. Todos dormiam. Até Teresa estava profundamente emergida num sonho onde via um mundo estranho governado por cavalos de metal com rodas, e cheio de gigantes cubos de vidro. No meio daquilo tudo, sentiu uma forte vontade de acordar. 

Ao abrir os olhos, viu que todo o seu quarto estava iluminado, como se fosse dia. Ignorou essa primeira impressão, até que a ideia lhe atingiu o mais profundo do seu subconsciente. Levantou-se da cama. À sua frente, a imagem que mudou toda a sua vida, e com ela, a História do convento de S. Euclides.

“Teresa”, disse a voz do ser iluminado que apareceu diante dela.

“Chegou a minha hora, Senhor?”

“Não, venho aqui para preencher o teu vazio. Já o sentes há algum tempo. Deus ouviu as tuas preces e enviou-me para te ajudar.”

Teresa, um pouco incrédula com a situação, esfregou os olhos para tentar acordar. Aquilo só podia ser um sonho, pensou. Mas nada aconteceu, o ser iluminado ainda se encontrava no seu quarto.

“E como pensas preencher o meu vazio?”

“Deus entregou-me esta lança para que possa satisfazer o teu mais íntimo desejo.”

Teresa não sabia o que pensar. Só quis fechar os olhos, rezar, e entregar-se à sua morte. O Anjo apontou para o seu ventre, e lançou a lança. Contudo, Teresa não sentiu o seu ventre a ser trespassado, mas sim a sua zona sagrada que reservara toda a sua vida para servir Deus, quando o momento fosse certo. 

O seu primeiro pensamento foi que a sua santidade e pureza estavam a ser violadas. Não. Violadas não. Abençoadas, por um servo do seu Senhor. A seu pedido, tal como ele lhe tinha dito, para satisfazer os seus desejos mais íntimos. E, quando finalmente se apercebeu, reparou que esses desejos estavam a ser mesmo realizados. 

O acto durou algum tempo. No fim, Teresa sentiu-se como que rejuvenescida. O seu vazio tinha sido preenchido, e logo por um ser iluminado. Um Anjo, um servo do seu Deus. 

Teresa levantou-se para o agradecer, mas já ele tinha partido. Voltou a deitar-se, e deixou-se adormecer.

Na manhã seguinte, Teresa contou o seu encontro à Madre. Duvidando do seu testemunho, a Madre decidiu viajar com Teresa até ao Vaticano para confidenciar o "milagre" a alguém capaz de o compreender. 

O êxtase de Santa Teresa, tornou-se um dos contos obscuros escondidos pela Igreja. Bernini revelou-o numa escultura, aquela que acompanha este conto, e que eu agora vos revelo. Embora com muitos dados alterados para o bem da ficção, esta história conta na sua mais pura semelhança, o encontro de Santa Teresa com o Anjo que mudou a sua vida, e que preencheu o seu vazio.

Publicado em 17 de Junho de 2013

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

A Resposta

Sim, eu tenho a resposta à pergunta que atormentou a Humanidade durante milénios. Quem apareceu primeiro, a galinha ou o ovo? Se usarmos a mais pequena parte do nosso cérebro, vemos que a resposta é mesmo óbvia: O Ovo!

Os leigos poderão argumentar que isto tudo é muito ambíguo. Apesar de a galinha nascer do ovo, é preciso uma galinha para pôr o ovo. Ora, é aqui onde todos se enganam, e onde eu, como Voz da Razão, vos passo agora a explicar o porquê de ser o Ovo o primeiro.

A resposta encontra-se numa pequena coisa a que eu gosto de chamar evolução. De facto, a galinha nasce do ovo e põe ovos de onde nascem galinhas, mas, a primeira galinha a aparecer não pode ter nascido de um ovo posto por outra galinha. Nasceu sim de um ovo posto por outro tipo de ave, muito semelhante a uma galinha.

Devido a uma estranha combinação genética dos progenitores, ou por causa de alguma mutação que simplesmente aconteceu por acção do meio – não sou capaz de responder ao certo – o embrião que se formou dentro desse ovo, transformou-se numa galinha.

A verdade é que o primeiro ovo, de onde nasceu a primeira galinha, foi posto por outra ave qualquer. Daí, quem surgiu primeiro foi o Ovo.

Publicado em 16 de Junho de 2013

segunda-feira, 1 de agosto de 2005

Um ano

Não, não é o meu aniversário, nem algo do género. Aliás, o dia 1 de Agosto do ano passado não deve ter sido muito diferente do dia 1 de Agosto deste ano. Mas a verdade é que já passou um ano, e tenho a certeza que hoje, o meu estado de espírito é diferente. 

Há pouco mais de um ano atrás, em pleno Verão, entrei num Outono que, por enquanto, ainda não se decidiu transformar em Primavera. Não sei se já é Inverno, ou se voltou a transformar-se em Verão, mas isso também é o menos importante. 

Ainda há pouco menos de cinco minutos, li um artigo num blogue que encontrei na página principal dos blogues do Sapo (já agora, foi este: A Felina Romantika). O que encontrei lá escrito, não posso negar, é algo que muito queria poder ter escrito em vários momentos da minha vida. Contudo, não o escrevi. Não por falta de tinta, vontade, papel, ou blogue, mas porque simplesmente não posso escrever, pois nada daquilo me aconteceu. 


Não por me afastar, pois o sentimento de não desistir é realmente algo que me persegue, e do qual eu me apercebo. Muitas vezes descrito como mais um defeito do que outra coisa, é algo que me é inato e imutável: Sou um Romântico e não posso fazer nada acerca disso, nem o quero fazer. 

Se, talvez, tivesse tentado a aproximação em alguns casos que, ultimamente me atormentam, não só em sonhos, mas também surgindo escondidos no meio das multidões, talvez tivesse conseguido o mesmo que a autora desse blogue. Apesar de tudo em mim me dizer o contrário, e de eu acreditar "neles". Aliás, até posso dizer que consegui uma aproximação semelhante com um dos casos mais recentes – eu tenho cá um jeito para tornar isto o mais sintético e técnico possível, não tenho? Faz parte da minha natureza formal. A culpa é do Inglês. 

Continuo ainda com esse receio, agora alimentado por uma incerteza, e uma sensação extrema de que, simplesmente, não vale a pena. Aquilo que penso que sinto, não é realmente o que sinto. Mas será isto assim ou será apenas uma barreira, falta de coragem, ou simples preguiça de fazer aquilo que já devia ter feito, há muito tempo? Pois, não sei. Só sei que tenho tentado ganhar toda a coragem possível. No entanto, acabo sempre por desistir, pois, apesar de tudo, continuo sem compreender nada, e sem saber o que fazer. 

Não sei ler os sinais, não sei ver se eles existem ou não. Só sei que me vejo assolado por uma vontade extrema de não tomar iniciativa, por vezes chegando mesmo a procurar outra saída, mais segura, mas que talvez não me dê aquilo que quero. Mas o que quero eu? Isto? Aquilo? Ela? Mas, porquê? Não sei. Apenas queria que ela me desse uma hipótese de o descobrir. 

Tudo em mim me diz que ela não ma dará. Mais vale, então, dispensar o embaraço e ficar "na minha" como se costuma dizer. Claro, depois terei que sofrer e aguentar com os "e se", e acreditem, já ando a aguentar com estes "e se" há tempo demais. Falta-me coragem para dizer aquela frase. 

Para quem tem medo de morrer, viver é ainda muito mais assustador.

Com isto tudo, não me quero queixar, nem soar lamechas, mas a verdade é que as coisas não são assim tão simples, apesar de o poderem ser. Já tenho demasiados fantasmas no armário. Mais vale arranjar essa coragem, que de corajosa não tem nada, pois as probabilidades indicam que o fracasso e a humilhação são o pão das apostas. 

Tentarei arranjar essa coragem sem me deixar cair em ilusões, aliás, já estou demasiado ferido e assustado para que mais uma coisa destas me doa. 

Retomando o assunto, apesar de tudo, ainda não saí do Outono em que me puseram há um ano atrás. Mas também não posso dizer que é mau de todo. A cor das folhas serve de adereço aos muitos sonhos, e o calor das casas, e das pessoas, é sempre um abrigo bem desejado. 

Com mais um daqueles artigos de possível melancolia sentimental vos deixo. Espero que não se fartem deles.

Publicado em 13 de Junho de 2013