sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

Sonhos de Sofá

Foto DR
“Aconselho-te a apressares-te. Esta velocidade pode ser imprópria para cardíacos.” Ariel, não, não era este o seu nome, mas bem que podia ser. A tal senhora de branco ascendia no céu até pairar em pleno ar. Que movimento indescritível, e cheio de tão tremenda beleza. Beleza essa coberta por uma sombra.

Ele estava lá em baixo, controlava-a contra a sua vontade. Ela aponta a sua flecha para os inocentes. Eles nada lhe fizeram, nem a ela, nem a ele. Mas é a ele que Ariel obedece. "Tem que ser agora", diz-lhe sem mexer os lábios.

Ela está relutante, incapaz. Porque tem ela de dar tal destino aos inocentes? Porque deve tamanha pureza e serenidade, ser sujeita a esta opressão? A tamanha demanda pelo inaceitável? Pelo perverso?

Ariel, identifica o seu alvo e puxa a flecha para trás. "Isso. É agora!", grita ele. Sim, é agora, ela sabe que não é capaz. Não disto. Mas existe algo que ela ainda pode fazer: Pôr um fim à sua opressão.

Ela direcciona a sua mira para o coração daquele ser perverso. Com alvo no centro da sua perversidade, a traição abate-se sobre os céus, e a seta trespassa-o. Ariel nem pestaneja, há mais vidas a salvar.

O Eu que, de tantas adversidades, e problemas impossíveis, vê-se mais uma vez numa situação de perigo irrealista e surreal. "Porque raio estas coisas só acontecem a mim?! Que sonho tive eu tão desastroso que acabou com o universo de outrem?".

A caminho do calor reconfortante daquela que um dia o salvou de si mesmo, a sua bicicleta pára. Também os grandes heróis são amigos do ambiente. À sua frente, algo que desde criança ele aprendeu a familiarizar e a conhecer melhor que ninguém.

Este não tem quaisquer exageros cinematográficos. Doze metros da cabeça à ponta da cauda. Dentes e mais dentes. Braços curtinhos com apenas dois dedos, mas de cor negra. Muito negra.

O T-Rex olhava-o. Nada havia a fazer. Não era capaz de pedalar mais depressa. Este seria o fim. Não existiam realidades generosas, ou salvamentos de última hora. Não desta vez. Desta vez, era o fim.

Mas Ariel não podia deixar que assim fosse. Afinal tudo isto era obra do seu mestre que agora jaz morto numa poça da sua própria malvadez. Do céu deixa cair o salvador. Não aquele que se esperava, mas outro da mesma espécie. Mais pequeno, decerto. As apostas não estão do seu lado.

A clareza do bem é translúcida na sua pele, e na sua leve penugem branca. O T-Rex maior recupera os sentidos. Atordoado após testemunhar um da sua espécie a cair dos céus. Ignorando Ariel, e o nosso herói, ele olha nos olhos do recém-chegado.

Antes de fugir desenfreadamente estrada fora. Este Eu seria capaz de jurar que o tinha visto a sorrir.

A luta começou. Ariel é incapaz de a ver. O seu tempo não pode ser preenchido por estas coisas mundanas. Ela cometeu o único acto imperdoável, mesmo que apenas o bem possa surgir da sua traição.

Terá agora que responder perante um poder maior. Um poder que transcende qualquer um, até inclusive, os poderes do Eu que morreu em seu desespero.

A luta interminável entre dois membros de uma espécie extinta continua a ser disputada por baixo do olhar de Ariel. Ao nosso Eu apenas resta o reconforto de algo a que pode chamar de casa.

Este é o seu mundo. Este é o seu dom. Esta é a sua maldição.

Publicado em 23 de Julho de 2013

domingo, 15 de janeiro de 2006

VIII

Olha-me nos olhos (título original)

Olha-me nos olhos.
Vê aquilo que te quero dizer.
Não procures nas entrelinhas,
Do que costumo fazer.

Olha-me nos olhos.
Vê aquilo que sinto.
Penetra no meu âmago,
Procura a minha inocência.

Olha-me nos olhos.
Diz-me o que vês.
Não negues aquilo que já sabes,
Di-lo de vez.

Olha-me nos olhos.
Dilacera-os se necessário.
Procura lá dentro,
O teu, e único, presságio.

Olha-me nos olhos.
Já encontraste a resposta.
Agora di-la.
Transforma-a nas tuas palavras.

Elas não magoam,
Quando servem para salvar.
Tu sabes qual a sua verdadeira função,
Agora segue o teu coração.

Olha-me nos olhos,
Diz-mo sem hesitação.

Publicado em 22 de Julho de 2013

Escrever

Ser escritor não é tarefa fácil. A maioria tem a ideia do sujeito preguiçoso que passa o dia de pijama e roupão, e que de vez em quando lá se senta na secretária a digitar algumas frases. Mas a verdade não é bem assim. 

Cada escritor tem o seu momento, aquele em que as musas ou as ninfas lá lhe vêm fazer cócegas e o deixam flutuar até perto de um papel, ou de um teclado, e deitam um feitiço sobre os seus dedos, para que algo se forme, cresça e ganhe vida. Nem sempre por esta ordem. 

Mas esses seres ainda chegam a ser mais preguiçosos que a figura acima descrita. Podem passar anos a beber néctar, e a falar do tempo em elevadores que não saem do rés-do-chão. E enquanto eles lá ficam, o escritor tem que puxar pela sua imaginação, que nem sempre gosta de cooperar. 

Isto é tudo muito bonito, mas ainda não mostrou sinal de ser alguma espécie de trabalho árduo. Não se preocupem meus fieis defensores da classe laboral, os escritores também têm outros empregos. Empregos esses que por vezes ajudam-nos na contínua busca por ideias, se assim não fosse, não passaríamos de pobres coitados. 

Muito para além da parte financeira, é preciso dar tempo para voltar à figura inicial. O que fazer quando passamos o dia de pijama e não nos apetece ir à secretária escrever seja o que for? Bem, aí não há nada a fazer. Mais vale não escrever nada, do que escrever algo de qualidade inferior àquilo que somos capazes de produzir. Nem todos pensam assim, mas também temos de ter em conta os prazos que por vezes somos obrigados a cumprir. 

Mas e se o contrário acontecer? Se tivermos mil e uma ideias para encaixar numa só? Aí chegamos à situação em que me encontro. Sim, mais uma vez vou escrever um artigo completamente egocêntrico, mas se eu não me centro em mim, e nas coisas que me dizem respeito, quem o fará? 

Egocentrismo à parte, tentar escrever um romance é algo muito duro e complexo. É preciso procurar a personagem, ou personagens principais. Ter uma ideia para o seguimento do guião. Encontrar uma história, uma finalidade. E por fim, descobrir o melhor final para dar à história. 

Aqui surge-nos o momento crucial. Alguns peritos gostam de ser minuciosos. De traçar um plano e depois segui-lo. Outros preferem ser espontâneos, embora isso nem sempre resulte. Também depende daquilo que queremos fazer da obra. Seja publicá-la, ou simplesmente ficar com ela para nosso proveito pessoal. Ou até mesmo queimá-la como um desastre, um completo aborto literário que apenas as massas inconscientes seriam capazes de adorar. 

Ah, como elas adorariam. Seguir-te-iam cegamente até aos limites do precipício, pois é isso que elas fazem. Mas se tu não o farias, de nada vale que outros o façam. Mais um ponto em que só, a meu ver, os justos concordam. 

Voltando a centrar-me em mim próprio, o meu problema neste momento são as mil e uma ideias que voam pela minha cabeça. Será que devo pôr Raptors? Porque é que ao atirar-se da janela ele vai parar a um navio de luxo? A terra não tem 4600 M.a.? Quem é que ele é afinal? Porque tenho tantos problemas com o nome? É só um nome, nem parece que tanta gente me conhece. Isto são apenas exemplos de questões que apenas responderei: Não; Isto é estúpido; Que é que isto tem a ver com a ideia original?; Isto não é um filme; etc. 

No fim, aquilo que irei escrever, pouco ou nada terá a ver com estas questões, se é que o chegarei a fazer. É muito frustrante quando as ideias que nos surgem afastam-nos da ideia original, e da possível mensagem que queremos transmitir. Aí temos um autêntico conflito de interesses, que a meu ver só pode ser resolvido com a construção de duas obras paralelas, e completamente distintas.

Mas aí regresso ao início. De mil e uma volto a ter apenas uma ideia. Essa ideia continua sem fundamento, sem finalidade e sem sentido de fim. Talvez seja melhor descartá-la. Mas não o quero fazer. Terei que arranjar maneira de me desenrascar. 

Nem sempre somos obrigados a seguir uma ideia à letra para que a mensagem não deixe de ser transmitida, ou para que ela saia tal como queríamos que saísse, ou, quem sabe, até mesmo melhor. Na verdade, o único sentimento que me contém, é o reconhecimento de já tantos escritores terem tido ideias semelhantes às minhas. Ideias essas que até as passaram para filme. 

Trágico facto que me arrisca a ser acusado de plágio, ou de falta de imaginação. A verdade é que nestas coisas não há verdade. Só mesmo quem está cá dentro é que é capaz de compreender as coisas pelas quais passamos. 

Espero que um dia a minha obra venha a ser criada. Quero dar vida a esta ideia interessante. Talvez chegue mesmo a ir até à fonte. Não sei. Um dia saberei, e um dia escreverei. 

Ser escritor continua a não ser tarefa fácil. Pensem muito antes de se juntarem a este Mundo, mas não o deixem de fazer. Quem sabe o que virão a descobrir.

Publicado em 21 de Julho de 2013

segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

You've got mail

Muitos de vocês já devem ter experimentado, pelo menos uma vez, conversar com estranhos em chat rooms ou pelo Messenger. É uma verdadeira faca de dois legumes, como dizia Jaime Pacheco. Mas o legume que mais interessa, é aquele da conversa esclarecedora e interessante, que de vez em quando lá surge para nos entreter, e para nos fazer passar um bom bocado.

Depois dessa primeira conversa, ansiamos pela segunda, que às vezes continua a ser tão boa como a primeira, mas que outras vezes acaba em desgraça. Em tudo semelhante aos encontros “às cegas” que temos ao longo da nossa vida, com a facilidade de não termos que sair de casa, ou até mesmo de nos levantarmos da cadeira.

E quando não só a segunda, mas a terceira, a quarta, e eventualmente todas as subsequentes, se tornam conversas daquelas que já não somos capazes de passar um dia sem as ter? O momento em que essa pessoa vem falar connosco, ou que responde às nossas mensagens, torna-se num momento mágico. Num pequeno prazer que se concretiza diante de nós.

Alcançamos outro patamar, e começamos a partilhar momentos íntimos com alguém, que nunca vimos uma única vez. Isso às vezes resolve-se com um daqueles blind dates, que são tudo menos cegos. Um dia éramos estranhos, mais íntimos que familiares a falar por um teclado. No outro, somos duas pessoas, frente a frente, capazes de comunicar verbalmente uma com a outra.

Por vezes, a magia desaparece nesse momento e nunca mais volta. A atracção do ser interior desvanece. O pouco à vontade, aquela vergonha de estar ali apodera-se de nós, e acabamos por nos separar. Uma perfeita amizade que teria resultado, não fosse esta espécie de preconceito, que o destino lhe impôs, impedindo-os de se conformarem com as suas vidas no mundo real. 

Mas, felizmente, nem sempre é assim. Há quem se junte, e crie laços eternos, impossíveis de alguma vez serem quebrados. A ansiedade por aquela mensagem, por aquele aviso a alertar que recebemos um e-mail, aumenta cada vez mais. Se esse laço esbarrar com o obstáculo da distância, nem sempre sobrevive, ou então resiste apenas para ver alguma parte da magia a esvanecer. Contudo, bem gerida, a perda não é assim tão pesada.

Não devemos ter medo de explorar estes novos horizontes. Quem sabe o que podemos encontrar mais além? Só se experimentarmos é que o descobrimos. Até mesmo para fomentar os laços com alguém que apenas vemos uma vez por dia, e com quem não desenvolvemos grandes conversas, este é um óptimo lugar. 

Não o devemos temer, nem menosprezar. Devemos aceitá-lo como mais uma daquelas dádivas tecnológicas que nos ajudam a manter-nos ligados ao Mundo.

Deixem o preconceito para trás. Esqueçam os vossos estereótipos. Ignorem quem vos tentar deter. Abracem esta oportunidade. Descubram o verdadeiro prazer de receber aquele e-mail, aquela mensagem instantânea, que mesmo num dia triste, vos alegra para o resto da vida. 

Publicado em 18 de Julho de 2013