Êxtase de Santa Teresa de Bernini |
Passavam algumas horas desde que Teresa assistiu ao pôr-do-sol, no topo da torre oeste do convento de S. Euclides na Áustria. Teresa repetia este ritual todos os dias. Todos os dias, fugia às constantes chamadas da Madre que anunciava a hora do jantar.
Todos os dias, Teresa encantava-se com o maravilhoso espectáculo de cores proporcionado pela perfeita junção da grandiosa esfera celeste, com os longos prados de flores, que rodeavam o convento.
Os campos brilhavam em sintonia com uma miríade de cores que, aos olhos dela, só podia ser atribuído a um acto divino. Contudo, Teresa sentia que lhe faltava algo. Há já algum tempo que se sentia estranha. Um desconhecido vazio atormentava o seu coração.
Apesar de rodeada por toda aquela beleza, algo na sua escolha de servir o Senhor, e de dedicar todo o resto da sua vida mortal a Ele, purificando-se para ser a sua esposa perfeita, não a estava a agradar. O vazio crescia a cada dia que passava, mas, naquele dia, algo estava diferente. Este desconhecido vazio fazia-se acompanhar por um estranho prenúncio do que lhe estava prestes a acontecer.
Teresa estava no seu quarto. Tinha terminado as suas preces, quando decidiu ir um pouco à janela pedir inspiração para os seus sonhos, às estrelas que iluminavam o céu nocturno. Não à Lua, pois essa tinha desaparecido. Há dias que vinha a ser engolida pelo vazio da escuridão. Mas, apesar de tudo, Teresa sabia que a Lua apenas estava noutro local, e que hoje era dia de Lua Nova. O dia de um novo começo.
O vazio tinha atingido o seu limite. Estava na hora de o preencher. E, com este pensamento, Teresa deitou-se. Cerrou os olhos, continuando a pressentir que algo estava prestes a acontecer.
Para um mero viajante, ver um convento daqueles no meio de um prado tão longínquo era algo estranho. No entanto, devido à sua fama era rapidamente ignorado. Não por ter má fama, mas por simplesmente ser um dado garantido. A menos que precisasse de um sítio para passar a noite, nenhum viajante lhe daria grande importância. Mas tudo isso ia mudar depois desta noite.
Passava pouco das três da manhã. Todo o convento estava silencioso. Todos dormiam. Até Teresa estava profundamente emergida num sonho onde via um mundo estranho governado por cavalos de metal com rodas, e cheio de gigantes cubos de vidro. No meio daquilo tudo, sentiu uma forte vontade de acordar.
Ao abrir os olhos, viu que todo o seu quarto estava iluminado, como se fosse dia. Ignorou essa primeira impressão, até que a ideia lhe atingiu o mais profundo do seu subconsciente. Levantou-se da cama. À sua frente, a imagem que mudou toda a sua vida, e com ela, a História do convento de S. Euclides.
“Teresa”, disse a voz do ser iluminado que apareceu diante dela.
“Chegou a minha hora, Senhor?”
“Não, venho aqui para preencher o teu vazio. Já o sentes há algum tempo. Deus ouviu as tuas preces e enviou-me para te ajudar.”
Teresa, um pouco incrédula com a situação, esfregou os olhos para tentar acordar. Aquilo só podia ser um sonho, pensou. Mas nada aconteceu, o ser iluminado ainda se encontrava no seu quarto.
“E como pensas preencher o meu vazio?”
“Deus entregou-me esta lança para que possa satisfazer o teu mais íntimo desejo.”
Teresa não sabia o que pensar. Só quis fechar os olhos, rezar, e entregar-se à sua morte. O Anjo apontou para o seu ventre, e lançou a lança. Contudo, Teresa não sentiu o seu ventre a ser trespassado, mas sim a sua zona sagrada que reservara toda a sua vida para servir Deus, quando o momento fosse certo.
O seu primeiro pensamento foi que a sua santidade e pureza estavam a ser violadas. Não. Violadas não. Abençoadas, por um servo do seu Senhor. A seu pedido, tal como ele lhe tinha dito, para satisfazer os seus desejos mais íntimos. E, quando finalmente se apercebeu, reparou que esses desejos estavam a ser mesmo realizados.
O acto durou algum tempo. No fim, Teresa sentiu-se como que rejuvenescida. O seu vazio tinha sido preenchido, e logo por um ser iluminado. Um Anjo, um servo do seu Deus.
Teresa levantou-se para o agradecer, mas já ele tinha partido. Voltou a deitar-se, e deixou-se adormecer.
Na manhã seguinte, Teresa contou o seu encontro à Madre. Duvidando do seu testemunho, a Madre decidiu viajar com Teresa até ao Vaticano para confidenciar o "milagre" a alguém capaz de o compreender.
O êxtase de Santa Teresa, tornou-se um dos contos obscuros escondidos pela Igreja. Bernini revelou-o numa escultura, aquela que acompanha este conto, e que eu agora vos revelo. Embora com muitos dados alterados para o bem da ficção, esta história conta na sua mais pura semelhança, o encontro de Santa Teresa com o Anjo que mudou a sua vida, e que preencheu o seu vazio.
Publicado em 17 de Junho de 2013
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